Comida com carvão e água contaminada: o quotidiano dos moradores de Moatize

Pesquisa de ONG alerta para riscos da atividade mineira à saúde dos moradores do distrito de Moatize, em Moçambique. Vale diz que está a implementar mudanças para mitigar impacto da extração de carvão nas comunidades.

Um estudo da organização não-governamental Sekelekane, divulgado esta terça-feira (30.06) na cidade de Tete, analisou cientificamente os impactos socioambientais da atividade de extração de carvão mineral nas regiões de Moatize e Benga, abrangidas pelas mineradoras Vale Moçambique e ICVL.

Os resultados do estudo apontam para alterações profundas da qualidade da água e do ar. Em relação à qualidade do ar, o estudo diz que as partículas em suspensão detetadas incluem dióxido de enxofre, monóxido e dióxido de carbono e óxidos de nitrogénio.

O documento também avalia o nível de poluição sonora, derivado das detonações de dinamite, tendo chegado à conclusão de que “o valor médio registado ultrapassa largamente os níveis toleráveis”.

Morar perto das minas

João Tomo reside no bairro Nhatchere, arredores da cidade de Moatize. Por sinal, uma das zonas residenciais mais próximas das operações mineiras da Vale Moçambique e conta o drama de viver próximo de uma mina:

“A minha casa é vizinha da mina da Vale [vivemos juntos]. Quando eles detonam as rochas, toda aquela poeira entra na nossa farinha. Uma vez pedi à minha mulher para tirar as folhas de moringa para servir de caril e elas estavam completamente sujas de poeira de carvão. Lavámos e comemos, mesmo sabendo que é prejudicial para a saúde”, revelou João Tomo.

Estudo apela por rigor na colega de dados sobre a saúde dos moradores

Segundo Ana Piedade, pesquisadora da Universidade Zambeze e coautora do estudo intitulado “Impacto ambiental da mineração de carvão a céu aberto no distrito de Moatize”, a exposição ao pó de carvão pode provocar várias doenças respiratórias aos afetados.

“Tanto àqueles que estão próximos, como aqueles que estão aqui na cidade [de Tete], com o andar do tempo vão sofrer destas doenças”, diz Piedade, justificando que quando se fala de mineração, está-se a “falar de poeiras e os pulmões são a parte do corpo humano que sofrerá com esta exposição e, com o tempo, poderemos se calhar ter casos de tuberculose”, alerta.

Maria Sicreia, também residente no Bairro Nhatchere conta que “onde nós vivemos, tem problemas de respiração, conjuntivite e tuberculose”, indicou Maria Sicreia.

“Temos o hospital rural de Moatize e os técnicos de saúde não conseguem explicar-nos as origens das doenças. E tentamos fazer uma manifestação por causa deste problema e só nos receitam o que eles entendem e nós continuamos doentes”, denuncia a moradora.

Ana Piedade diz que ainda não há um mecanismo no setor de saúde para interpretar a relação entre as doenças respiratórias reportadas pelas comunidades com a exposição às poeiras provocadas pela mineração.

A pesquisadora apela para que “venha nos prontuários da saúde aquilo que acontece com a exposição ao pó de carvão para que os médicos possam diagnosticar melhor os doentes”, sublinha.

Queixas têm fundo científico

Por seu turno, Tomás Vieira Mário, diretor-executivo da organização não-governamental Sekelekane, que encomendou o estudo, diz que é preciso também olhar para os impactos socioculturais da mineração em Moatize, acrescentando que “tem havido ao longo de anos reclamações de profanação de capas, o lado espiritual das comunidades. Então este documento tem este mérito de dar uma base científica aquilo que eram perceções das comunidades”.

Vieira Mário aponta ainda que “deve haver um mecanismo formal e oficial de reclamações, que junte na mesma mesa as comunidades, o Governo e as empresas [mineiras] para que não haja reclamações espalhadas e mal geridas”.

A DW África tentou ouvir a direção provincial de Terra e Ambiente de Tete sobre as constatações do estudo, sem sucesso.

Entretanto, a mineradora brasileira Vale Moçambique disse à DW África por correio eletrónico que está a desenvolver em Moatize uma série de atividades socioambientais resultantes do seu plano de gestão ambiental. Destacam a implantação de uma cortina verde sobre o muro que separa a área mineira das comunidades, para minimizar o impacto de emissão de poeira sobre as áreas habitadas.

A Vale diz igualmente que faz a monitoria das condições meteorológicas, de qualidade do ar, ruído, vibrações, qualidade da água e efluentes, gestão de resíduos e treinamentos de educação ambiental e plantio de mudas na Mina Carvão de Moatize, de forma a ajudar na retenção de poeira.

Fonte: Deutsche Welle

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